domingo, 30 de novembro de 2008

A ponte.

Foi assim que cheguei até a ponte. Chovia. Torrencialmente. E sob a ponte, correntes lodacentas. Águas rápidas, cuja visão trazia não medo, mas cautela. Durante as horas em que estive ali, sozinho, à beira da ponte, pensando em se deveria ou não atravessar, vi o nível das águas subir. Aos poucos, os pilares desapareciam, apesar de se manterem fortes. Pensava, contudo, que mesmo a força deles poderia ceder a qualquer instante e, junto, também ruiria a ponte. Por isso hesitava em atravessá-la. Era longa, e frágil. Embora imponente, não me inspirava confiança. Queria muito confiar, pois aquela era a minha única saída. Era preciso atravessar. Atrás de mim só havia ruínas. Ruínas deixadas para trás. Ficar era suicídio. Atravessar, contudo, também o poderia ser. Diante do impasse, esperava, e refletia, tão incessantemente quanto a chuva que não dava mostras de ceder. De qualquer forma, pensava comigo, valeria à pena atravessar a ponte? O que me esperaria do outro lado? Não estaria, também, o outro lado em ruínas, depois de tanta chuva? Não havia como voltar atrás, não sabia ao certo se deveria ir adiante. Neste momento, chega um velho, que me diz:

- Que esperas, jovem rapaz, aqui, deste lado da ponte?

- Não sei, meu senhor. Receio atravessá-la, pois não me sinto seguro com a força de seus pilares. Pode cair a qualquer momento. E mesmo que não caia, como poderemos saber se estaremos a salvo do outro lado?

O velho calou-se por um instante. Pensei que me deixaria para trás e atravessaria de uma vez a ponte. Só. Afinal, menos ainda a perder tinha ele. Mas não. Ele permaneceu ao meu lado. De pé. Com o seu guarda-chuva. Fitava, assim como eu, calado, o outro lado. Não quis dizer mais nada a ele. Esperava que me falasse comigo novamente. Não imaginava encontrar alguém onde eu estava, vindo de onde estivera. Vi-me, contanto, equivocado. Havia uma companhia, mas que estava em situação consideravelmente diversa da minha. Ele já vivera uma longa vida, e as marcas dos anos pesavam-lhe na fronte. Os olhos, embora firmes em fitarem o outro lado, estavam já opacos, vazios. O Tempo mostrava sua vitória no peso que fazia dobrar as rugas. Era de uma magreza gélida, esquálida. A pele, curtida, anunciava sob quantos sóis o velho trabalhara. Os cabelos, parcos e cinzas, desalinhados, colados à cabeça devido à chuva. A mão que segurava o guarda-chuva, óssea, dizia-se outrora forte, embora não mais. Trêmula, agora que sua caminhada chegava ao fim. Enquanto eu o observava, sem que ele deixasse de fitar o outro lado, disse-me, como se falasse consigo mesmo:

- A chuva levou-me tudo. O pouco que tinha. Em um instante, tudo desapareceu sob a água e a lama. Já não há mais nada que me mantenha aqui. Não tive filhos, e do casamento não ficaram que memórias traiçoeiras. Nada mais há que me seja.

Ouvi, e calei. Não havia o que dizer. Embora os anos nos afastassem, as experiências eram análogas. Não havia como consolá-lo, porque não havia consolo. A nossa saída era, simplesmente, esperar pelo certo, ou caminhar em direção ao desconhecido. Enquanto pensávamos, o nível das águas subia cada vez mais rápido. A crescente violência da correnteza fazia a ponte tremer. Os ruídos que vinham da sua estrutura que cedia aos poucos lembravam-me gritos de alguém desesperado, que se sente completamente desprotegido e abandonado. O velho, todavia, começou a caminhar, com passos pesados, lentos, de olhos baixos. Certamente decidira pela travessia. Eu permaneci, sentei-me, e escrevi.

Máxima

A pior das sequelas da mentira é não ser capaz de acreditar em ninguém depois dela.

Máxima

Se a luz se acender, não reclames. Fostes tu que acionastes o interruptor.

sábado, 29 de novembro de 2008

Angelus Domini nuntiavit Mariæ

Embora ainda bastante sonolento, cria-se acordado. Dormira, todavia, por tanto tempo que ainda era difícil discernir aquela realidade que talvez não fosse do sonho adormecido que vivera até então. Era incerto ainda o momento. Havia, no entanto, uma voz, ao longe, do outro lado de alguma coisa, que parecia querer acordá-lo. E ele sentia o calor da tarde de um sol imaginado, de prazeres há muito esquecidos. Eram somente possibilidades, bastante ofuscadas pelas pesadas e persistentes nuvens negras. Não importava. A imaginação em si daquelas possibilidades já aqueciam o suficiente por agora. O calor era algo diferente do que viera sentindo. Mesmo livrando-se aos poucos da coberta debaixo da qual se escondera por tanto, não se sentia tão desprotegido, e confiava cada vez mais. Cautela era preciso, pois qualquer brisa gélida o levaria rapidamente de volta à cama. Afinal, aquele calor e aquela segurança do seu leito eram-lhe já velhos conhecidos. A possibilidade mesma, contudo, de preencher uma tarde de calor e música e palavras e trocas e conflitos e diferenças imbuía-lhe de ânimo. Seria possível, mesmo com a ameaça de tantas negras nuvens? Não importa. Agora, a mera imaginação, palavras lidas e não ouvidas, já eram quentes o suficiente para o momento.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Máxima

A única doença incurável é a vida.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sur les besoins d'aujourd'hui

Quoi pensez-vous que sens, si je sais que vous êtes? Je veux oublier, allumer le feu avec mes souvenirs, comme dans quelle chanson. Mais il y a quelque chose que reviens, tout le temps, sur moi. Le manque de vivre, le manque de vous, le manque de tes paroles, de tes problèmes. Mais il y a un autre, qui. Quel autre problème. Un problème, au moins, pour moi. Une chose qui se pose entre ce je veux, et ce que je peux. Quand j'ai besoin de toi, tu n'est pas là. Et je dois comprendre. Les choses ne sont pas si simples. Rien n'est si simple. Qu'est-ce que je pense, avec mon désir? Pourquoi ce désir? Pourquoi pas un mépris, si rien ne semble possible? Au moins, pour moi... Je ne veux pas attendre, mais je sais que je dois. J'ai vu, autrefois, comme sont les choses. J'aurai bien tout changé si je pourrais. Cependent, je n'ai pas pu, je ne pourrai pas. Jusqu'ici, j'ai été impuissant. Pendant combien de temps je le serai? Tu comprends ce que j'écrit, ici. Tu comprends, j'imagine, le pourquoi. Peut-être tu ne comprends pas le comme. Mais il est facile d'imaginer les raisons. Des souffrances. Mes souffrances. Et aujourd'hui je n'avais que besoin de quelques paroles sans raison. Et je sais que ces mots seront lus, et seront compris. Et que le pouquoi de tout ça sera clair, comme l'éclat du jour. Pour moi, pourtant, il y a, par contre, une nuit sans fin. Je n'ai pas encore vu cet éclat. Est-ce que je le verai, un jour?

[Podcast]

Reflexão (apontamentos).

Entre vazios e não ditos, tentativas. Entre levezas e brincadeiras, tentativas. Entre trocas e tocas, tentativas. Entre convites e deslizes, tentativas. Entre distâncias e calores, tentativas. Entre canções e palavras, tentativas. Entre desentendimentos e dúvidas, tentativas. Entre ditos e expostos, tentativas. Entre esperanças e desesperos, tentativas. Entre drogas e álcool, tentativas. Entre dores e tosses, tentativas. Entre exaltações e humilhações, tentativas. Entre sonhos e vontades, tentativas. Entre imaginações férteis e realidades duras, tentativas. Entre olhares esguios e bocas falantes, tentativas. Entre lágrimas e abraços, tentativas. Entre desistires e repensares, tentativas.

E entre tantas tentativas, ego.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Diálogo Máximo.

E ela disse: "Não era isso que eu queria. Não era assim. Não foi isso que me atraiu. Não foi isso que me prendeu, que me atiçou. Não foi isso que me fez pensar, divagar, sonhar. Não vieram daí as cumplicidades, as alegrias, as trocas. Onde havia força, ímpeto, dinamismo, agora há marasmo, fraqueza, mantras. Não é isso. Não deve nem precisa ser assim. O problema é que você não vê o problema. E o problema está e é você, não como é, ou como era, mas como está. Para onde foram suas palavras? Para onde foi sua grandiloquência? Se enterrar assim, há motivo? Você não consegue enxergar. Não como está agora. E essas drogas. Não as tome. Elas te roubam o juízo. Ouça-me. Ouça a mim. Antes, eu estava em dúvida, mas agora não sei mais. O que conheci desaparece aos poucos neste poço onde você se jogou. Não gosto disso, mas te gosto. Por isso permaneço. Sei que você pode sair disso, mas quero que você saia sozinho, para que você volte a ser grande e forte, grandiloquente como antes. Se eu te der o que você quer, você se tornará ainda mais frágil, e poderá quebrar a qualquer momento. Tem certeza de que quer isso? Isso você não terá. Te gosto demais para fazer isso com você. Eu ainda não deixei de acreditar. Temo que você possa decidir ir embora, talvez, a qualquer hora, dormir aquele sono de que você fala, e com o qual ameaça. Mas eu não temo isso, embora o tenha visto quase adormecido. No entanto, eu te acordei. Ou ao menos te ajudei a acordar. Agora saia daí. Lave o rosto. Levante-se. Recomeçe. Minha mão está aqui, se quiser segurar, mas é só isso que tenho por agora. Depois, veremos. Não posso, nem irei prometer nada. Só quero que volte a ser como antes. Entendo o seu cansaço. E você precisa dormir, mas um outro sono, e acordar recuperado. Tudo poderá ser diferente. Isso não temos como saber. Tome minha mão, se quiser. Ela estará sempre aí, do seu lado, embora longe da vista. Não se torture. Não se martirize. Não sonhe. Seja o que fora antes. E tudo poderá se tornar algo novo."

E então ele viu uma luz fraca acendendo-se ao longe. E quis levantar.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Volontà


Volere. Questo verbo è un verbo difficile. Non so cosa fare. Non so si devo aspettare. Non so si devo aggire. Non so si devo pensare. Quello ieri che era davvero un oggi mi ha fatto pensare tante cose. Mi ha fato vedere che forse c’è ancora qualcosa che sia possibile. Ma devo credere? Non sarà questo rischioso? Perchè io so cosa succede quando credo, e dopo sono disingannato. Ci sono cose che io non posso controlare. Cose che mi fuggono. E è di questo che ho paura. Fin’ora, ho potuto mantenere le cose come stanno. Ma fino quando lo potrei fare? Io creo, davvero , che qualcosa di straordinario sia possibile. Almeno voglio credere.

domingo, 23 de novembro de 2008

Talking to myself

As if. Being left. Spare me the trouble? What do I want with it? Where is it going? Is it going anywhere? It is all so dangerous. A rollercoaster. Ups and downs. Fine today, maybe not tomorrow. Whose fault is it? Is it anybody's? Is it a disease? If so, is what I feel a disease? Is feeling a disease? Why do you do it with me? Why do you put up with me? So much tenderness, and at the same time so much suffering and pain and pills and wanting and hoping and dreaming. Where is it going? Me? I don't what what to do with me or what to expect from me or if I should expect anything from me. Why spare me? I know what happens. And that makes me sigh, and suffer. Because maybe nothing is real, no matter how much I want it to be. It will never be, will it? It is all so fake. Living is so fake. Being here is a lie. And I'm tired of lying. I'm sick and tired of it. I'm sick and tired of myself, but then there's me. Who knows, but me, what may be? Does anyone else?

Stopped Dead (de Sylvia Plath)

A squeal of brakes.
Or is it a birth cry?
And here we are, hung out over the dead drop
Uncle, pants factory Fatso, millionaire.
And you out cold beside me in your chair.

The wheels, two rubber grubs, bite their sweet tails.
Is that Spain down there?
Red and yellow, two passionate hot metals
Writhing and sighing, what sort of a scenery is it?
It isn't England, it isn't France, it isn't Ireland.

It's violent. We're here on a visit,
With a goddam baby screaming off somewhere.
There's always a bloody baby in the air.
I'd call it a sunset, but
Whoever heard a sunset yowl like that?

You are sunk in your seven chins, still as a ham.
Who do you think I am,
Uncle, uncle?
Sad Hamlet, with a knife?
Where do you stash your life?

Is it a penny, a pearl—
Your soul, your soul?
I'll carry it off like a rich pretty girl,
Simply open the door and step out of the car
And live in Gibraltar on air, on air.

[Podcast ao lado]

Reflexão.

La joie de vivre est fini. L'amore non c'è più. Why don't I send it all to hell?

Lazarus Unbound

Cada dia, um a menos. Cada passo, um a menos. Cada movimento, um a menos. Cada copo, um a menos. Cada letra, uma a menos. Cada garrafa, uma a menos. Cada comprimido, um a menos. Cada respiro, um a menos. Cada conversa, uma a menos. Cada alegria, uma a menos. Cada lágrima, uma a menos. Cada música, uma a menos. Cada insistência, uma a menos. Cada esperança, uma a menos. Cada linha, uma a menos. Cada livro, um a menos. Cada eu, um a menos. Cada tentativa, uma a menos.

Até que não sobre mais nada.

sábado, 22 de novembro de 2008

Máxima

Toda verdade só é verdade até que outra verdade apareça.

Máxima

O sono é morte postiça. Até que se perca o sono.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

διδαχη, ou, sobre mim mesmo (ou não)

διδαχη: para os que ainda não compreenderam, isto é, supostamente, a origem do meu nome (com o perdão da ausência dos acentos diacríticos que inadequações técnicas não permitem que eu acrescente). Origem grega: relacionada à instrução. Também origem de "didática" e congêneres. Outra origem, latina, didacus, significaria instruído. Feliz coincidência? Ou mera prepotência? Ou destino que não há? Origens espanholas também, Diogo, um dos nomes advinhem de quem? Do diabo.

Fico eu, então, com esse fardo, de carregar esse nome para onde for, benção ou não, se é que há tal coisa.

Outras análises onomásticas de mim mesmo: di-ego. Ego, "eu", latim. Ego dividido. Dois eus. Geminiano. Di-, prefixo normalmente negativo, que divide meus egos.

E fico, assim, nessa coisa incerta, que não vale. Com egos distópicos, divididos, distônico, distorcido, diuturno.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Vie

O Vazio. Le Vide. Il Vuoto. Vácuo. Vísceras. Vozes. Veleidades. Vociferações. Voracidades. Verdades. Vícios. Vontades. Vacilações. Vacuísmos. Vagabundagens. Vagas. Vagarezas. Vômitos. Vínculos. Vésperas. Vidas. Virtudes. Vestes. Veemências. Velhacarias. Vértices. Vórtices. Voragens. Vultos. Vultos. Vultos.

Máxima

A consciência é aquilo de que devemos nos livrar o quanto antes. Ou não se vive.
Quanto tempo mais até que?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Reflexão

Os monstros que nos assombram são nossos filhos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Aveu

Aujourd'hui, j'ai entendu quelque chose. Quelque chose que je veux espérer. Pourtant, je ne sais pas ce que je dois penser de ces choses là. Elle m'a saisi d'une manière si différente. Avec sa légèreté, avec sa douceur, avec son corps si élégant... Cette légèreté. Il y a quelque chose de innommable. Je ne sais pas quoi penser. Je pensais qu'une telle personne n'était pas ce que je voulais, que je voudrais. Et, quand même, elle m'a desappointé. Est-ce un problème? Je ne sais pas. Je ne comprends plus rien. Je ne me comprends pas. Je ne m'ai jamais compris. Je ne comprendrai jamais. Ils me disent que je dois accepter que la vie est lente. Mais comme? Comme peux-je accepter des choses comme celles-là? J'ai le sentiment d'une personne que n'a jamais rien vécu, et qui veux tout vivre d'une fois. Mais ils me disent que je dois être patient. Mais comme? Le temps passe. Et, comme Proust l'a écrit, je suis aussi à la recherche du temps perdu. Alors, je (me, te, nous, vous) démande: Qu'est-ce que je dois faire?

[Podcast ao lado]

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

L'Homme et la ler (par Charles Baudelaire)


Homme libre, toujours tu chériras la mer!
La mer est ton miroir; tu contemples ton âme
Dans le déroulement infini de sa lame,
Et ton esprit n'est pas un gouffre moins amer.

Tu te plais à plonger au sein de ton image;
Tu l'embrasses des yeux et des bras, et ton coeur
Se distrait quelquefois de sa propre rumeur
Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage.

Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets:
Homme, nul n'a sondé le fond de tes abîmes;
Ô mer, nul ne connaît tes richesses intimes,
Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets!

Et cependant voilà des siècles innombrables
Que vous vous combattez sans pitié ni remords,
Tellement vous aimez le carnage et la mort,
Ô lutteurs éternels, ô frères implacables!

[Podcast ao lado com o poema recidato por mim]

βίος ou θάνατος?

Com palavras inconseqüentes, você me encheu com o sopro de βίος. Mas como o sopro é só ar, bastou um ato estúpido, igualmente inconseqüente, para desabar sobre mim o peso de θάνατος. Quem terá mais força? O ar que escapa às mãos, ou o peso de θάνατος?

domingo, 16 de novembro de 2008

Keats escreveu. Basta-me lembrar.

Why did I laugh to-night? No voice will tell:
No God, no Demon of severe response,
Deigns to reply from heaven or from Hell.
Then to my human heart I turn at once.
Heart! Thou and I are here sad and alone;
I say, why did I laugh! O mortal pain!
O Darkness! Darkness! ever must I moan,
To question Heaven and Hell and Heart in vain.
Why did I laugh? I know this Being's lease,
My fancy to its utmost blisses spreads;
Yet would I on this very midnight cease,
And the world's gaudy ensigns see in shreds;
Verse, Fame, and Beauty are intense indead,
But Death intenser - Death is Life's high meed.

[Aconselho o podcast ao lado, com o poema recitado]

Reflexão (Reminiscências)

E a Fortuna lhe disse: "Quem sois tu, idiota, para acreditar que algo de bom seja possível? Que te faz insistir na Esperança que não te cabe? Não vês? És acaso cego? Sim, sois. Cego de espírito. Cego de vida. Deixa-a logo de uma vez, ser insignificante. Não hás de fazer falta a este mundo que te ignora, que goza em ti. Sois um nada, e a cada dia hei de te reduzir a menos ainda. Alimentar-te-ei de pequenos prazeres e quando estiveres quase lá, lhe tirarei tudo. Hei de lhe puxar o tapete para que caia de cara no chão. Quero ver teu fim. Quero tua desgraça, seu nada. Quero te ver em prantos, em dor. Quero te ver definhar. Quero tirar-lhe aos poucos tudo o que acha que tens. Até que não te sobre nada, a não ser o desespero, que lhe tirará toda a dignidade e, enfim, isso que você chama de vida. Mas não desistas ainda. Não me tires esse prazer. Embora isso não me preocupe, pois sei que tu és fraco demais para isso. Para te rebelares contra minha vontade. Hei de me deleitar em ti. Em ti, encontrarei prazer infindo enquanto assisto tua queda, que é como a queda de todo e qualquer homem que deseja."

E ele, ouvindo, calou-se.

sábado, 15 de novembro de 2008

Entre reminiscências e expectativas, vive-se

O inesperado. Das unheimlich, segundo Freud. De tudo, ?. Que há de ser? Que esperar? Esperar? Há, tumulto, turmoil (Esta segunda me apetece mais. Completa-me melhor as idéias.). Inusitados. Não vividos. Medos. Haverá riso, ou haverá pranto? Tornar-se-á o pranto em riso? O riso em pranto? Que penso eu, escrevendo aqui? Sou eu que penso? Ou são só palavras soltas? Invertidas, branco no preto? Aconselham-me não esperar nada. Carpe momentum. Não o dia. O dia é longo demais.

Aspetta, e vedrà che tutto sarà meglio.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Reflexão

Passado o passado, resta o resto. O lugar vazio permanecerá vazio. Outros lugares poderão ser ocupados. Este, é um quarto fechado, sacrossanto, no qual não mais se tocará.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Reflexão.

Meu sentido não faz sentido.

Reflexões sobre o vazio.



Há. Hei de? Procuro. Apalpo. Cego. Tudo, enfim, vazio. Virtudes desvirtuadas. Esmaecimentos. Irrealizações. Idealizações. Ilusões? Possibilidades? Vazio. Peremptório. Perene. Peripético. Circundante. Vazio. A luz, ilusão. É? Nolições. Volições. Voláteis. Volúveis. Vazios. Veredas. Verecúndias. Vazios. Passos em falso. Tropeços. Troças. Trocadilhos. Vazios. Miasmas. Michelas. Microcosmos. Vazios. Sonhos. Searas. Sordidezas. Souvenires. Vazios. Vazios. Vazios. Distanciamentos. Distopias. Diteísmos. Egos. Vazios. Vazios. Vazios.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ser e Tempo II

tempo
tempouco
temperamento.

rogo
e volto.
recomeço
para.

vejo
vontades
veleidades.

devo partir,
enfim?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Diálogo Mínimo

- Mas eu também não sou ninguém ora.
- Juntando dois ninguéns daria um alguém?
e esvair-me em palavras deixar correr solta toda a verborragia hemorrágica da ferida aberta procurar em vão pelo curativo que sei que não existe preciso purgar tudo expurgar expelir catarses múltiplas de experiências trágicas não vividas entender o vazio de tudo olhar para o vazio de tudo e ver que não há conexões que tudo está solto à deriva como eu barco à deriva em mar bravio e que tudo enfim acabará inevitavelmente no naufrágio sem salva-vidas nem cordas nem ilhas nem terra à vista só o mar bravio cinza que se funde com as nuvens negras que desabam como se o céu chorasse copiosamente sobre mim fazendo revolver o que já por demais revolvido e sentir que disso tudo estou somente sozinho à deriva sem saber se sei nada pois nunca tentei e não sei se agora saberei tentar e que se vislumbro alguma coisa à frente isso pode ser somente uma alucinação posso ter engolido muita água salgada e por isso posso ter sede e então o copo de água não pode passar de uma ilusão e então tenho o desejo de ser tragado o quanto antes por esse mar e fazer parte dele dormir em sono profundo nas suas insondáveis escuridões que guardam a tantos e assim encontrar a paz que me falta porque sei que perdi todo o meu lugar aqui ou acolá ou onde quer que eu tenta estado porque no fim tudo me conduziria inevitavelmente de volta a este mesmo não-lugar de onde falo penso metonínico-metaforicamente em palavras que fluem ou fruem em gozo sórdido justamente nesta falta de sentido nesta que seria mais completamente uma simples falta de sem objeto ou qualquer outra coisa porque é tudo simplesmente uma falta de e esse de não sei o que é por mais que queira acreditar e disso tudo só posso chegar à conclusão de que é melhor deixar de esperar é melhor descanar e deixar de me debater porque não há mesmo terra à vista não há em que me agarrar é tudo o fim mesmo de e por isso é melhor ir o quanto antes antes que

Pós-Tudo. Uma outra dimensão.



AGORAPÓSTUDO
MUDO TUDO?

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Aforismo I

Os espíritos livres serão livres para encontrarem júbilo em si mesmos. Apoiarem-se no nada que são. Levantar-se-ão contra qualquer apriorismo, contra qualquer pretensão de verdade, e dirão (como eu, hoje à tarde,a um (des)conhecido filósofo): tudo é discurso, palavras. Nada é. Tudo pode ser. Afinal, se no princípio era o Verbo, também o será no durante, no depois, no fim (se é que o há). Minhas realidades se farão de palavras, castelo de cartas, que caem ao menor sopro. Assim, as realidades. Assim, as morais.

Diálogo Mínimo

- Cadê o minuto labiríntico?
- Dicotomizou-se em egos.

Máxima.

Deleita-te na soberba, goza na afetação.

Máxima

Ser pedante é ser igual a mim mesmo.

La chambre

A porta que abri a pontapés permanece (entre?) aberta. O quarto, no entanto, escuro. Tateio logo. Procuro luz. Não há interruptor. Nada é tão simples. Em vão? Não posso iluminá-lo... Preciso esperar o sol nascer. E se não?

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vontade

quero abandonar tudo deixar tudo para trás sentar-me de frente para o mar na areia e olhar para a imensidão do sem fim do horizonte mesmo sabendo que o horizonte é só uma linha imaginária e se isso me perturbar quero deixar o horizonte de lado ele não me importa muito mesmo então eu o deixo de lado e reparo somente ao que está mais próximo de mim esta concha que o mar me trouxe quero observá-la tocá-la senti-la mas sei que não devo tentar abri-la não há como a não ser tirando sua vida então por isso prefiro deixá-la à vontade comigo para se abrir como quiser prefiro deixá-la pensando que deve se preocupar comigo me temer seja lá o que ela pense pode ser que ela ache que eu me agigante diante dela que eu tão grande aparantemente seja maior do que ela mesmo que eu ache que não que eu e a concha somos feitos da mesma matéria inerte da mesma matéria mortal e somos portanto a mesma e única coisa com os mesmos interesses os mesmos instintos de preservação da espécie rara que nos tornamos essa mesma espécie rara que quando encontra outro igual a si memso sente a vontade de tê-lo para si num ato egoísta que é ao mesmo tempo cúmplice em todas as prováveis possíveis plausíveis palpáveis variantes da palavra que ganha a cada segundo que eu passo com essa concha novas dimensões mas eu me pergunto o que acha a concha disso tudo vejo que por momentos ela parece querer fugir voltar para o abismo negro do mar onde nada nem a luz lhe toca mas a concha sabe que ela existe para ser vista que a sua beleza leveza destreza afoiteza absurdeza altiveza não estão ali gratuitamente e que são estas que me fazem querer tomar a concha para mim mas há o mar esse mar arredio que desconheço e que ainda assim conheço bem esse mesmo mar que tem para si a concha mas que eu sei como ele se comporta porque ele e eu somos de uma mesma dimensão de águas traiçoeiras então dá-me vontade de dizer para a concha que eu quero tornar-me um outro mar e guardá-la comigo mas a concha não pode me ouvir não ainda não enquanto

Cúmplice

adjetivo e substantivo de dois gêneros
1 Rubrica: direito penal.
que ou o que contribui de forma secundária para a realização de crime de outrem

2 Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal.
que ou aquele que colabora com outrem na realização de alguma coisa; sócio, parceiro
Ex.: ele e o c. eram os verdadeiros responsáveis pelo sucesso do empreendimento
n adjetivo de dois gêneros
Derivação: sentido figurado.

3 que apresenta intenção repreensível, maliciosa ou sugestiva
Ex.: olhares c.

4 que possibilita, favorece, concorre na realização de algo
Ex.: a escuridão c. contribuiu para que se esgueirasse sem ser visto



complice adj. et n.

• 1320; bas lat. complex, icis, « uni étroitement », de complecti ® complexe

1¨ Qui participe à l'infraction commise par un autre. Être complice d'un vol, y avoir part (cf. Prêter la main* à, être de mèche, avoir part à). — Par ext. Complice de qqn, d'une action, qui participe à quelque action répréhensible. Þ associé. « Les acquéreurs se feraient en apparence complices de la spoliation » (Romains).

2¨ Qui favorise l'accomplissement d'une chose. Une attitude complice. Þ entendu. Le silence, la nuit semblaient complices. — Un sourire complice, qui dénote une entente secrète.

3¨ N. (au sens 1) L'auteur du crime et ses complices ont été arrêtés. Þ acolyte. Le braqueur et sa complice. — Fig. Þ 2. aide, auxiliaire. « Sans bruit, dans l'ombre, avec le hasard pour complice » (Hugo).



complice. n.m. e f. [pl. -ci]
1. chi partecipa con altri all'esecuzione di un reato, o con altri commette un'azione riprovevole, o ne favorisce indirettamente l'attuazione

2. chi è stretto e amichevole rapporto con altri; anche, compagno di scherzi.

agg. m. e f. [pl. -ci]
1. che favorisce un'azione riprovevole; connivente; chi favorisce in genere.
2. che rivela connivenza, intesa.



accomplice
noun [C]
a person who helps someone else to commit a crime or to do something morally wrong.






Qual destas? Todas, inequivocamente, circundam o mesmo. Algo de cada? Nada de nenhuma?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Fim da linha



Que fazer? Fim da linha. Não há como voltar. Que fazer? Além do árido, seco, há o verde? Há água para matar a sede? Posso continuar caminhando? Ou seria melhor sentar e esperar?

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Eu sol?
Não.
Eu me abismo.

Diálogo Mínimo

- Você fala sem palavras, então não sei se fala, ou se sou eu que ouço.
- Ah.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Avestruz (tradução minha. Texto de Jacques Prévert.)


Quando o Pequeno Polegar abandonado na floresta deixou seixos para reencontrar seu caminho, não tinha dúvidas de que uma avestruz o seguia e devorava os seixos um a um.

Esta é a verdadeira estória, foi assim que aconteceu...

O filho Polegar volta-se: sem seixos!

Está definitivamente perdido, sem seixos, sem casa; sem casa, sem papai-mamãe.

“É desolador”, diz, entre os dentes.

De repente, escuta risadas e depois o ruído de sinos e o ruído de uma torrente, de trompetes, uma verdadeira orquestra, um temporal de ruídos, uma música brutal, estranha mais não de todo desagradável e completamente nova para ele. Passa, então, a cabeça através da folhagem e a avestruz que dança, que o olha, pára de dançar e lhe diz:

A avestruz: “Sou eu quem faz esse ruído, sou feliz, tenho um estômago magnífico, posso comer não importa o quê. Nesta manhã, comi dois sinos com o seu batente, comi dois trompetes, três dúzias de oveiros, comi uma salada com sua saladeira, e os seixos brancos que você deixava, também eles, eu os comi. Suba nas minhas costas, vou bem rápido, viajaremos juntos.

Mas”, diz o filho Polegar, “meu pai e minha mãe, não os verei mais?”

A avestruz: “Se eles te abandonaram, é porque não querem mais te rever tão cedo”.

O Pequeno Polegar: “Certamente, há verdade no que dizes, senhora Avestruz”.

A avestruz: “Não me chame de senhora, isso me faz mal às asas, chame-me Avestruz simplesmente”.

O Pequeno Polegar: “Sim, Avestruz, mas assim mesmo, minha mãe, não é!”

A avestruz (em cólera): “Não é o quê? Você me irrita por fim e depois, quer que eu te diga, não gosto de tua mãe, por causa daquela mania que ela tem de sempre colocar plumas de avestruz em seu chapéu...”

O filho Polegar: “O fato é que isto custa caro... mas ela sempre gasta para deslumbrar os vizinhos”.

A avestruz: “Em vez de deslumbrar os vizinhos, seria melhor que ela se ocupasse de você, que te esbofeteasse às vezes”.

O filho Polegar: “Meu pai também me batia”.

A avestruz: “Ah, o senhor Polegar te batia, isso é inadmissível. Os filhos não batem nos pais, porque os pais batem nos filhos?”. Aliás, o senhor Polegar também não é tão mau; na primeira vez em que viu um ovo de avestruz, sabe o que ele disse?”.

O filho Polegar: “Não”.

A avestruz: “Que bom”, disse, “Isso dará uma bela omelete!”.

O filho Polegar (sonhador): “Eu me lembro, na primeira vez em que viu o mar, refletiu por alguns segundos e depois disse: ‘Que bacia grande, pena que não haja pontes’. Todos riram mas eu tinha vontade de chorar, então minha mãe me puxou pelas orelhas e disse: “Você não pode rir como os outros quando teu pai está de brincadeira!” Não foi minha culpa, mas não gosto das brincadeiras das pessoas grandes...”

A avestruz: “... eu também não; suba nas minhas costas, você não verá mais seus pais, mas verá o país”.

“Tudo bem”, disse o pequeno Polegar, e ele sobe.

Ao grande e triplo galope, o pássaro e o garoto partem e deixam uma grande nuvem de poeira.

Da soleira de suas casas, os camponeses abanam a cabeça e dizem: “Mais um desses automóveis baratos!”

Mas as camponesas escutam a avestruz que faz os sinos tocarem ao galopar:

“Vocês estão escutando os sinos, dizem umas às outras, é uma igreja que se salva, o diabo certamente logo atrás”.

E todos se amontoam até a manhã seguinte, mas na manhã seguinte a avestruz e o garoto estão longe.



[Texto traduzido em Outubro de 2007]