terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sobre como estou sempre certo, e sobre como tudo que puder dar errado, dará.

Ironia. Risos. Não. Gargalhadas. Altas. Sonoras. Retumbantes. Da Vida, o presente para mim. Mas não de afeto. De desprezo. Para mostrar-me a impotência. Minha. Marionete. Joguete. Não do destino. Não há. Mas da vida. Vê? Idiota! O que dou, tomo. Quando bem entender. Faço-te sentir o cheiro, a presença. Mas não te deixo tocar. Ponho à tua frente. Depois tiro. Te conduzo pelo nariz, feito o asno que és. Como Otelo. Eu, Otelo. Tu, Vida, meu Iago. Não és nada. E nada virá de nada. Esbraveje à vontade. Só mostras o quão pequeno és. Sombra trôpega. Cambaleante. Procurando seu lugar no palco. Acha-se protagonista. Não passa de coro. Em breve, o tropeço. Não demorarás a cair do palco. Como um bêbado. E eu rirei, de ti, da sua insignificância. Quando desejares, trarei até ti mas não te permitirei tocar. Quando desistires, serás teu. Mas aí perderá a graça, não é? E como isso me satisfaz. Quiseras ser como Fool do Lear. Papel tão grandioso? Não. Um Falstaff? Sequer em teus sonhos. Menos ainda o Porteiro. Serás, sempre: o vulto de todos eles. E quando estiveres achando que tudo está bem: lá estarei eu, para puxar seu tapete.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Intorno a Dante (Io stesso)



Non ho mai scritto niente qui, così. In questa lingua. Dante. Voglio parlare di lui. Non de l'autore, ma dell'altro Dante. Quello, della Commedia. Qui sono i versi:

Nel mezzo del cammin di nostra vita 
mi ritrovai per una selva oscura

ché la diritta via era smarrita.

Non direi di nostra. Ma di mia. La mia vita. Però non mi ricontro per una selva oscura. Sono la selva oscura. La notte, il mio tutto. Io. Mi mancano le parole. Anche la mia dirita è stato sempre smarrita. Cosa posso fare? Le cose sono semplicemente così. E saranno, per tutto il sempre. Pensavo che questa lingua era più calorosa. Non lo sento qui. Anche qui, le cose, le parole, sono fredde. Non voglio dire più niente. Vorrei potere cambiare le cose. Non posso. Devo accettare. Solamente. Comme se si tratasse della verità.

domingo, 28 de setembro de 2008

Companheira inexorável


Ela. E tinha que ser feminina. Vem quando menos espero. E aindassim sinto sua aproximação. Migraine. Mine. Migrando para lugar nenhum. Latente. Espera. Agora. Aqui. Comigo. Pulsa. Incomoda. Para me lembrar de minha condição: homunculóide. E de que o fim está à porta. Cada dia, um dia a menos. Os meus: abreviados. Não se vai longe assim. Agulhas? Entorpecentes? Ansiolíticos? Retardar o inevitável. Só há uma certeza.

La vie est une page vide.



E não sabemos escrever. Quiséramos. Todas as línguas, e no entanto: desentendimento. Tudo isso é equívoco. Equivocatio. Quanto mais línguas falo, mais me calo. Trabalho inútil. A ânfora se quebrou. A torre caiu. Quero tudo. Busco tudo. Leio tudo, como o Autodidata. Meu tudo: nem tão tudo. Depois da Literatura: o vácuo. O vácuo é ilegível. A Literatura não diz nada. Ainda mais depois de Shakespeare. O que havia para ser dito, foi. O resto: balbucios, lamentações, circunlocuções. No fim, é preciso ser seletivo. Estou cansado. À procura do inincontrável. Le vide. La vie. De que adianta a suavidade do francês? O calor do italiano? A aspereza do alemão? A jovialidade do inglês? A eloqüência do português? O arcaísmo do grego? No fim, calo-me. Do que digo: nego. Dizem-me calado. Que posso dizer? A vontade de falar: ecfráctica, aperiente. Eu mesmo: tateio, cego, às escuras, em busca de uma parede em um descampado. Porque não em versos? Não dá. E porque não em página, papel branco, palpável, concreto? Não posso. O vazio se expressa no vazio. A página que quero preencher: vazia, persiste. O fado: não conseguir o que quero, ter o que não me interessa. O que resta: prostituição intelectual. Vender-me barato, ao primeiro que vier. Voltar atrás? Não dá. Os dois pés já caminharam para o vazio. A queda é livre. Acabou a irreverência.

Why the hell not?

Only now I noticed it. Haven't written in English here yet. Why the hell not? It's not a language for thinking. And it takes too long to write anything. What the fuck... One thing's for sure: it's cool for swearing! Nothing like swearing in English: fuck this, fuck that. You can say any fucking thing you want. And the fuck is always there. Haven't seen a word like that yet. Just like that fucking guy in that fucking movie, complaining about the fucking war in Viet-fucking-nam. Fuck the war. Fuck peace. Give no fucking chance to no fucking peace. See? Anywhere you fucking want it to be. And then you say: What the fuck, you do like swearing! I surely fucking do. And I don't see any problems with that. That shitty moral of yours does not fucking appeal to me. I DON'T FUCKING CARE!!!


Pós-Porra Toda? Putaria. Pós-porra nenhuma.


Tá. 20 e tantos anos. E eu. Falando merda. Disse alguma coisa? Quanta prepotência. Mudei tudo. Porra nenhuma. Mudou nada. Mudar a porra toda é uma contradição em si. Leia-se: Octavio Paz. Ruptura? Não. Tradição. Tradição? Não. Ruptura. Então como mudar? Não dá, porra. Só se tem aparência. Disso. Daquilo. Poesia é aparência. Não é porra nenhuma. E isso aqui? Porra nenhuma também. Fuck it. Quem se importa? Alguém lê essa merda? E se lê? E se leram isso aí em cima? Poemimagem? Poemimerda. Pós-isso. Ultra-aquilo. Multi-porra toda. Quer ser alguma coisa? Serás porra nenhuma.

Isso é um manifesto? Serviram pra nada: prova do fracasso. No fim, só falta entender isso: o único sucesso é o fracasso.

Les mots

As palavras: roupagem invisível. Só os prontos vêem. E não há metáfora aí.

Poema morto

Fui do brilho a escuridão
nascente efêmera morte
que se esvai no vão vindouro
da eterna vida penitente.

Fui da morte filho pródigo
esquecido em lugar ermo
padecido das mil dores
da eterna vida penitente.

Fui de lugar ermo alçado
às altas vias letéias
condenado à extrema dor
da eterna vida penitente.

[Outro decrépito. Abrindo as tumbas. Deixando sair os mortos-vivos. 2006]

sábado, 27 de setembro de 2008

Tropeço

“Então porque você mentiu?!”, perguntou, ainda tentando compreender o que acabara de ouvir. “Não sei”, foi a resposta, que denotava não a dúvida, mas a certeza de não haver feito nada de errado. “Não compreendo porque as coisas têm que ser assim, tão maniqueístas. Não se trata de mentir ou não mentir. Não entendo a situação dessa forma. Só fiz o que achei que deveria ter feito, e pronto”. As palavras pareciam agora escorregar por seus lábios, como se saíssem por vontade própria, mas trôpegas, por serem incapazes de expressar com a precisão necessária aquilo em que acreditava. “Eu é que não entendo. Você vem sempre com a mesma desculpa. Não sei porque ainda agüento isso”, respondeu. “Você não precisa agüentar, como diz, só gostaria que você procurasse compreender”. “Mas isso não é certo, não pode ser”. “E porque não? Porque te disseram o contrário? E quem foi que te ensinou isso? Seus pais? Seus professores? Você não pode afirmar que errei, que errei ao fazer a escolha que fiz, da mesma forma que também eu não posso ter certeza sobre o que fiz, ou sobre o porquê de o ter feito. Será que é tão difícil compreender isso?”. Ao contrário do que possa parecer, os nervos não estavam aflorados. A discussão era calma. O pior já passara. Percebia-se, no entanto, que ambas as vozes estavam trêmulas, como se quisessem impor a verdade um ao outro, aquela mesma verdade que vira o seu status ser colocado em xeque. “Foi a primeira vez?”, perguntou, esperando ansiosamente por uma resposta que julgava já conhecer ao mesmo tempo em que esperava ter se enganado. “Que diferença faz ter sido a primeira ou a décima?”. A apatia era facilmente sentida naquela resposta. “Como assim? Como pode não fazer diferença?”. “Não sei”.

[Outro texto moribundo. Jogo-o de volta à vida. Agonizante. 2006. Ano morto].

Un coup de dés jamais n'abolira le hasard






























O acaso, aí: na impossibilidade de se fazer entender. Impossibilidade gerada pelo e no acaso. À mercê do acaso, além do apócrifo, perto de si: o vero. E o lance de dados não pode aboli-lo, senão confirmá-lo. Nada mais é do que isso: enfiar-se de corpo inteiro no imprevisto do acaso. Aceitar suas imposições. Prestes: conseqüências inimagináveis. O acaso.

Decidir a sorte em um lance de dados: mergulhar no abismo da incerteza . No fundo: única certeza. Paradoxal que seja. A certeza da incerteza: nada mais certo do que isso. No fundo mesmo deste abismo: a pieuvre, feminina, faminta, falaz: encarnação animal do abominável, no mais obscuro momento do inconsciente: nós mesmos. Inocentes e despóticos. Do alto desta superioridade sólida e firme como um castelo de cartas empilhadas ao acaso. Descobrimos, por fim: o fim.

Édipo: arrancolhos. Ilusão de cegueira. Mas a crueza do que é certo ultrapassa o orgânico: os olhos ainda mais abertos. Atentos. Impassíveis. Nada lhes escapa: sem pálpebras. Não se cansam de enxergar. Perturbam-nos. Os que quisera fechar, sempre: o trágico do acaso. Inabolível. O imperativo: manifestação abrupta. Essa, sua força: o inesperado. Imprevisto. Contra o qual nada se pode. Do qual nada se sabe.

Jamais abolir o acaso. Entregar-se a um lance de dados: entregar-se ao acaso do acaso: capitular. Fatos: impossibilidade de predição. O oráculo: sonho. Trabalho onírico. Fruto dos restos do dia, do acaso. O oráculo: impossível.

You Can't Always Get What You Want, But...



You just might get what you never thought you would. Mesmo à distância. Do que parece tudo. Do objetivo. Do desejo. Do que não parece possível. Das mãos, tudo ao alcance. Mas parece que não. Parece frio. A Durande pode estar no rochedo. E o resgate: suicídio. Mas deve-se morrer. Ou não se nasce novamente. Ou: vive-se duas vidas. Na expectativa (não esperança) de que uma morte chegue. Princípio e fim só são antônimos no dicionário. E, claro, it's all fucked up, então, que há a perder? A insatisfação? A falta de desejo? O diálogo monológico? Tudo vai de bom grado. E isto já está discursivo demais.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Baco. Poco, ma Baco.


Baco. Dio del vino. Διώνυσος. Prazer. Coito. Bebida. Lascívia. Luxúria. Fertilidade. Seu pai: não Zeus, mas Caravaggio. Em Διώνυσος: a necessidade do homem. O animalesmo. Melhor: humanesco. O que se quer apagar. Se esconde. Se oprime. Se nega. Mas o que somos: prazer, luxúria, lascívia. Não só carnal. Nem tanto carnal. Também: intelectual, egocêntrica. Em Caravaggio: perfeição da forma. MascoFeminino. Sombra. Luz em Διώνυσος. O resto: sombra. Escuridão. Frutos da embriaguez. Nas mãos de Διώνυσος. À mesa. Ao alcance. No olhar vago, o convite. No convite, a tentação. Do embate entre Διώνυσος e Ἀπόλλω, a tragédia. Forças antagônicas. Complementam-se nele, άνθρωπος. E ele, άνθρωπος, é o princípio e o fim. Mas é menor do que si mesmo. Como disse. Mais que um deus grego, menos que uma besta. Ele, άνθρωπος.

Negri e o equívoco



La guerra diventa un operazione di polizia, di polizia universale, globale. Porque foi preciso. O homem é lobo não do homem. Mas de si próprio. Vigilância. Necessidade de sobrepujar. E sobrepujar é: sobreviver. Tutto è semplicemente: luta por vida.

... sono capacità di nation building. Sim. Nações se constróem sobre nações. Lei natural. É preciso morrer para nascer. Para ser, é preciso deixar de ser.

... que dominano le populazione estremamente miserabile, sia a New York o a Los Angeles, che a Johannesburg, che a New Delhi. Sempre. E que mal há? Felizes os fortes, porque deles é o reino do mundo.

La lotta per la fine delle malatie, per la fine della miseria, la capacità di transformare, di metamorfosare l'uomo, de modo che la miseria della morte se allontane, la miseria, la tragedia della morte. Porque afastar a morte? Porque o trabalho de Sísifo? Para que tentar mudar, metamorfosear? E o resultado disso: sempre o mesmo: repetição do ciclo.

Tutta la filosofia, da Platone fino Heidegger, ha sempre sustenuto che la morte è una parte essenziale della vita. É. Para viver, preciso matar. Enriquecer a vida? Com o quê? Só há nadas. Névoas nadas. Vaidades. Enriquecer? Não, iludir.

La costruzione di una resistenza non è semplicemente un atto morale, un atto etico, dovuto, naturalmente, sempre per le persone libere, ma è anche una necessità, che nasce del fatto che, se si vuole lavorare bisogna essere insieme, si vogliamo produrre bisogna essere insieme. O problema: o insieme. No insieme, a resistenza. Nisso tudo: o nada. O absurdo. Ausência de sentido. Inalienável ausência de sentido.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sobre a moral e os bons costumes

Ele novamente (não preciso dizer quem):

Não existem fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos.

Sim. Tudo é moral. Nada é a moral. Tudo não passa de sombras. Más leituras. Ou desleituras. Tudo em prol de si próprio. Mas como escapar? Aceitar é moral. Fugir é moral. Negar é moral. Isentar-se é moral. Fechar os olhos é moral. Calar-se é moral. Falar é moral. Quero sair, mas não tem como. Querer sair é também moral. Então: fracasso. Único resultado possível. Acabou o sonho. I have a dream, Luther King. Foda-se. Deu em quê? Porra nenhuma. A mesma merda que aí está, com novas vestimentas. Trocou-se o pão velho pelo leite azedo. Propósito? Não. Digressão. Que tenho a oferecer? Nada. Que preocupações tenho? Nenhuma. Nada é problema meu, a não ser eu mesmo. Leia como quiser. Não me interessa. O melhor de tudo é ler Beckett.

Dreizehnten Juni, eintausendneunhundertzweiundachtzig


O dia. Princípio do fim. Contagem regressiva. Cada dia, um dia a menos. Enquanto isso, acumulo um monte de nadas. Nadas acontecem a todo momento. Nada muda sem parar. Incrivelmente perdido. Queria dizer que two roads diverged in a yellow wood, mas as roads, para mim, não são duas. Para todo lado. Só o que vejo. Pobre Frost. Qual é the one less travelled by? Todas igualmente ermas. Inexploradas. Se alguém já passou por ali, não interessa. Se eu não, então ninguém. E assim a História se repete, como Sísifo, na danação eterna. Somos Sísifo. No equívoco da astúcia. Na falta de sentido na eternidade. A certeza: o caminho acaba em penhasco a qualquer instante. Em meio ao nevoeiro, caminho. O passo em falso: o porvir. O porvir: inevitável. E a pedra não nos espera. Já está aqui. Dia após dia. Mas ela não está no meio do caminho. Em verdade vos digo: sendo rolada morro acima.

Transladar-se

Pode ser arte
levar uma parte
à outra parte.

Assim como é certo
poder ver de perto
como aquela arte
traduz-se (sorte?)
de morte em vida
de parte em arte.

[Setembro, 2006. Quando a poesia ainda era possível]

Adelfo

Depois de refletir sobre por onde deveria começar, se pelo meu nome, se por minha aparência, ou por qualquer outra coisa que o valha e que seja de praxe colocar em textos desta natureza decido simplesmente colocar-me sentado num banco, à beira da praia, e isso deve bastar a si mesmo, mas o banco, é preciso dizer, não está virado para a imensidão vazia do mar, tão passível de contemplação em seu movimento incessante, seu trabalho incansável, não posso me colocar contemplando algo tão magnífico porque nada há de mim ali, e por isso coloco-me a olhar para a avenida à minha frente, ornada de belos prédios residenciais, com suas varandas amplas e suas vidraças que emanam luz, opulentas, olhos de apartamentos ocupados por aqueles que provam o seu mérito e que os exibem como troféus da luta ganha, nesta mesma avenida onde pessoas ocupadas vão e vêm nos seus carros, nos seus ônibus, com suas alegrias, com suas paixões, com suas infelicidades, com seus problemas, com suas contas para pagar, com os filhos que não lhes obedecem, com os filhos que ainda não têm, mas que pretendem ter, ou que sabem que nunca terão, ou que não querem ter, ou que tiveram mas foram obrigadas a abandoná-los em um lugar qualquer, ou a se livrar deles antes mesmo que tivessem a chance de respirar este ar misto do gás do escapamento dos veículos e da brisa que vem do mar, isso que me mantém vivo, agora. Talvez fosse melhor se o banco estivesse virado para a imensidão vazia do mar, pois esta imensidão vazia eu poderia preencher como quisesse, com aquilo que me vem à cabeça, com aquilo que pretendo, com o que deixo pra lá, com tudo que me faz ser eu mesmo. Mas o mar é simplesmente uma imensidão vazia que nada tem a ver comigo, já estava lá antes de mim e continuará ali, no seu trabalho incessante, depois que nos formos todos, essa massa tão imensa que eu não posso preenchê-la, e por isso prefiro colocar-me de costas para ela, fitando a avenida e o seu ocupado vai-e-vem que não me nota, porque ele e eu fazemos parte de uma outra imensidão, vazia como o mar, mas vazia de um outro vazio.

E eu aqui, no banco, em meio ao vazio disto tudo, não sou notado pelos viandantes por terem eles outras preocupações, ocupações ainda que saiba que também, talvez, não os notasse, se também eu tivesse minhas ocupações. Na verdade, não há importância aí. O que importa agora é estar aqui no banco, por que o tempo é curto. Importa simplesmente saber que, se olho para os lados, há todo um formigamento inconsciente ao meu redor, que se chama vida. Inconsciente por que não se sabe massa, formigamento. E eu sou parte disso tudo. Sou uma formiga, velha. Então me levanto, e dou um passo em direção a qualquer lugar, porque não importa aonde vou, e caminho à toa, desocupado, despreocupado, pois sei o que será da minha vida nos próximos dias, nos próximos meses, nos próximos anos, se ainda os tiver tão próximos de mim. Agora não importa mais, não, agora meu papel está cumprido e não tenho mais obrigações a não ser esperar pelo dia em que...

Por isso caminho à toa, em direção a qualquer lugar, até que me deparo com uma criança imunda que me olha como se eu representasse para ela alguma esperança. Não deve ter mais do que uns nove ou dez anos, esta mirrada criatura que também caminha à toa, não porque já cumprira seu papel aqui, mas porque não tem papel nenhum a cumprir, é um ser redundante, de aspecto asqueroso, imundo, fétido. Uma criança mulata, ser misto, como quase todas as outras que eu já vi por aqui e por outros lugares onde as encontrei, sempre com o mesmo semblante, com o mesmo olhar opaco, com as mesmas roupas rotas que lhe são grandes demais, talvez herdadas de um irmão mais velho, talvez encontradas pela rua, pelos lixos de que vivem, ou doadas por alguma alma caridosa que pensa poder assim amenizar a dor, se é que tal coisa existe, destes pequenos seres desagradáveis, mas que na verdade esperam da caridade nada mais do que o perdão a si próprios, perdoe-me, senhor, pelo conforto em que vivo, pensam, quando de suas hipócritas filantropias inúteis.

E eis que a criança olha para mim e eu a ouço balbuciar qualquer coisa de incompreensível de tão baixo que falara, temendo uma represália de minha parte, ou talvez usando das artimanhas que aprendera na companhia de outros maltrapilhos que vagam errantes pelas ruas, que dormem pelos cantos, sujos, entorpecidos, sim, talvez tenha sido por isso que esta breve criatura tenha minimizado sua voz, na tentativa de me levar à comoção que lhe renderia algumas moedas, talvez um lanche em algum lugar, e talvez, quem sabe, até mesmo um lugar para morar, mas não, creio que eu já esteja pensando bem demais deste ser imundo, pois sabemos que estes tipos não querem sair das ruas, preferem a promiscuidade do desregramento, seres devassos, porque farejam dinheiro como animais, o dinheiro que lhes comprará a cola, que lhes dará o crack e alguma comida, quem sabe, de que precisam, mas a comida se encontra no lixo, nos restos dos abastados, e se a comida fede, que mal há nisso, pois eles também fedem desde que tomam conhecimento do que é o odor que exalam de si mesmos, o mesmo fedor que é incapaz de reconhecer a si mesmo, felizmente, mas não os entorpecentes, estes não se encontram no lixo, custam caro, por isso não se deve desperdiçar o dinheiro com a comida, algo que se aprende desde cedo.

Peço-lhe então que repita o que disse, não educadamente, mas com um seco o que você disse?, tentando deixar claro que eu não me importava com as suas falsas lamúrias, que já estava farto delas, que já as vira em todas as suas formas disformes, que acreditam poder ludibriar quem quer que seja, ainda mais um velho pois os velhos, sabe-se, têm coração mole, e então o pequeno ser grotesco, com um mesmo olhar opaco, lamuriento, inexpressivo, simplesmente repete o que dissera, que eu não entendera, mas que estava certo do que se tratava, e me pergunta, desta vez um pouco mais alto, se eu poderia lhe dar algum trocado, confirmando assim aquilo que eu pensara, e eu lhe respondo com o olhar, simplesmente o olhar que deveria lhe dizer que a sua miséria não me toca, não me diz respeito, que a sua presença me incomoda, é enfadonha, desnecessária, que a sua existência mesma não passa de um estorvo, que você, criança, é fruto da inconseqüência de pessoas também elas redundantes como você, também elas dispensáveis, que não têm um papel a cumprir nesta imensidão de um outro vazio que não o do mar que está ali, à nossa direita, mas sim daquilo que está à nossa esquerda.

E então penso que seria melhor se não a tivesse notado, talvez fosse melhor que ela não estivesse ali, para que eu continuasse a não ser notado, e para que eu também não a notasse, assim eu poderia escapar e viver na minha dormência de velhice que se completará em breve, mas não, ela permanece ali, imóvel, suplicante, parada na minha frente, exalando seu odor pútrido, e me fazendo perguntar a mim mesmo como algo tão infecto poderia emanar daquilo que deveria ser o amanhã...

[Novembro, 2006. Texto moribundo. Esquecido. Empoeirado. Tiraram-se as teias de aranha e jogou-se de volta no mundo.]

Ich und Er



Dois meros nadas. Pensamos. Pra quê? Ele, fitando o vazio. Eu, a página. A página: o ser. Olho para compreender. Ou tento. Só sobraram as páginas. Hamlet, ao responder Polonius:

Polonius: What do you read my Lord?
Hamlet: Words, words, words.

Nietzsche olhou para o lado errado. Direção errada. Portanto, eu, a página. Nelas, só isso, nada mais: Words, words, words. Frutos de quem? De quê? Que dizem? Dizem? Não seria mero disfarce? Falar é cegueira. Organizar o pensamento, estupidez. Cerco-me deles. Para ouvir. Se falo, é comigo mesmo. O cúmulo da razão: falar consigo, ouvir a si mesmo, e discordar. Esbravejar. Vociferar. Baldoar. Apostrofar. Entrar em luta. Corporal. Para, no fim, o nada. O preto no branco. E a conclusão: cinza. Um século depois. A mesma indagação. O mesmo escrutínio. Resultado: espere mais cem anos e veja.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008




E no fim? Será o que? Da palavra. Tudo. De tudo: a palavra. O fim, o silêncio. A não-palavra. Não mais cegueira. Mudez. Quero em não-palavras. Unword me God. Recusa da palavra, recusa da criação. Nem Verbo, nem Substantivo, nem Adjetivo, nem Advérbio. Talvez Preposições. Dois mil e oito anos depois. E rarefazem-se as palavras. Rarefaz-se a criação. Não há vida senão pelo Verbo. Não há existência senão pelo Verbo. Portanto: Literatura. Só se existe nos livros. Dico, ergo sum? Não. Dubito, ergo sum? Não. Cogito, ergo sum? Não. I am not. Je ne suis pas. Io non sono. Ich bin nicht. Eu. A sombra de mim mesmo. Como Lear. A sombra do que não fui. Do que não sou. Como seria um "Ensaio sobre a Mudez"? Radicalizar. Queria dizer: reduzir ao animismo. Todavia: reduzir ao humanismo. Palavras demais.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sabedoria ímpar.






Well, I went to the doctor

I said, "I'm feeling kind of rough"
"Let me break it to you, son"
Your shit's fucked up."
I said, "my shit's fucked up?"
Well, I don't see how-"
He said, "The shit that used to work-
It won't work now."

I had a dream
Ah, shucks, oh, well
Now it's all fucked up
It's shot to hell

Yeah, yeah, my shit's fucked up
It has to happen to the best of us
The rich folks suffer like the rest of us
It'll happen to you

That amazing grace
Sort of passed you by
You wake up every day
And you start to cry
Yeah, you want to die
But you just can't quit
Let me break it on down:
It's the fucked up shit.

Nem Nietzsche. Muito menos Schopenhauer. Quem dirá Cubas. Ou Macbeth. Completa negação ali. Lembrei agora: nem Meursault (falei dele há pouco, e já me fugia). Zevon. Em uma composição esquecida pelo tempo, em meio a sucessos desmerecidos. Se tivesse sido eu a escrevê-la, teria chegado ao fim, e encontrado o Santo Graal. Mas se ele foi até ali, agora preciso continuar a caminhada. Tateando. Na vida, a cegueira já estava ali antes que víssemos. E persiste, mesmo que não estejamos mais.

Let me break it to you son: your shit's fucked up. Dá pra ser mais claro? Talvez Celan tivesse querido essa dádiva. Acabou o lirismo idiota. Acabaram-se as metáforas, metonímias, alusões perdidas em intelectualismo hermético. Não se precisa de mais debates crítico-teóricos. Fudeu a porra toda. Now it's all fucked up. It's shot to hell. Porque essa porra toda é um absurdo mesmo. É nadar pra morrer na praia, quando se consegue tanto. Mas e daí? You want to die, but you just can't quit. Há razão? Teimosia. Menos que uma besta. Menos que Hamlet, Gilliatt, Cubas, Coriolano, Meursault, Macbeth, Iago, Fausto, Borba, Casmurro. Muito menos que ele: Shandy.. E mais. Muitíssimo menos que ele: o Fool de Lear. It's a fucked up shit. O Fool já sabia disso. E só resta escrever à toa. Quase meia-noite. Aula amanhã cedo. E eu aqui, falando merda. It'll happen to you. Cedo ou tarde. Quando não se espera. Isso não é niilismo, nem é um cachimbo. My shit's fucked up? Pra que a surpresa? Já deveria saber do que está por vir.
E é por isso que eu penso o seguinte:

Sobre o que se pode e o que não se pode dizer, e as implicações disso tudo para a filosofia, a vida, o sapado justo e a calça rasgada na hora errada.

Il y a des choses que je ne peux pas. Pas quoi? Dire, tout simplement, comme ça, en une langue quelquonque. La langue maternelle, par exemple. Il y a des souffrances dans cette langue. Des souffrances incomparables. Là, rien est accompli. Et ici? Qu'est-ce qu'on peut dire de ça que je essaie de faire ici? Je ne sais pas. En fait, rien est accompli. Rien est certain. Tout est comme les nuages, mais des nuages noirs, qui volent, rapidement, et soudainement s'arrêtent. Ça, c'est la vie. Le nuage, c'est la vie. Ou peut-être pas le nuage, mais l'ombre, ou l'absence du soleil. Ou l'abîme, comme Hugo l'a voulu. Ou peut-être rien de ça, et tout simplement l'incertitude de l'être. Mais ça est trop simple. Et les choses ne sont pas si simples. La langue de Hugo, de Racine, et de Molière est une terre étrangère. Il est plus facile d'être un étranger. Mais cette affirmation est fausse. Et ici je pense à Meursault. Suis-je comme l'Autodidacte? Ou un Roquentin? Savez-vous, mes adorables lecteurs? C'est impossible. Je suis tout simplement: un homme. Comme vous, mes amis. Plus qu'un dieu grec, moins qu'une bête.

Lasciate ogni speranza voi ch'intrate.

Nada é gratuito. As portas estão abertas. E há um preço. Aos convidados e enxeridos e curiosos, todos bem-vindos, vindo ou não, fica o aviso de Dante (ali em cima) (LEIAM DANTE). Não me culpem. Não me responsabilizo. Só digo o que penso e tenho dúvida até de que sou eu mesmo que penso. Mas o que sai, sai. Lentamente. Refletidamente. Adverbialmente. Sem mentiras nem verdades (o que são mesmo?). Tornar ócio, osso. That's the question. Mesmo que Hamlet tenha dito isso antes. Percebam: Hamlet! Não Shakespeare. Shakespeare não foi ninguém. Dante sim. Afinal, ele está lá, na Commedia. O que estou dizendo é. Bom. Deixa pra lá. Se entenderam, ótimo. Se não... (ia soltar um "fodam-se", mas não quero ser rude hoje, pelo menos por enquanto).

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Salvador Dalí e eu de cá.


El gran masturbador. Ele, Dalí. Eu, de cá. Tu, de onde estiveres. Persiste a memória. A memória que esquece de tudo. Pelo menos a minha. Esquece, mas persiste. Sono e mescla. Grasshoper without hope. E tudo se funde em si mesmo. Em nada. Le rêve. Rever o sonho para ver o que não vê. Homem só, ao fundo em direção ao nada.
E tudo isso na ponta do nariz. Quasifelação quasimodesca. Em meio ao sentido de tudo isso, o absurdo. Porque só restou isso depois de Auschwitz. Disseram que não dá mais pra escrever depois de Auschwitz. O mesmo que dizer que não dá mais pra pintar, ou compor, ou aproveitar o ócio. Foda-se quem disse isso. Quem disse que dava pra escrever, ou pintar, ou compor antes de Auschwitz? Não sou anti-semita. Mas não estou nem aí pro Holocausto. Não foi o primeiro, não foi o único, não será o último. Porque essa é a condição humana, o fado, a danação depois da queda. O orgulho de si mesmo. A liberdade que só há no sonho, porque o resto é aprisionamento e depressão, orgulho e desgosto, debater-se em meio à água fria do rio que não tem correnteza, nem margens, muito menos uma terceira margem. Só o que restou, depois da queda, foi o vazio, que só o sonho preenche. E no sonho, diante da liberdade, tudo se permite. Melhor viver no sonho do que ir embora pra Pasárgada, voltar para Ítaca, ou encontrar o tempo perdido. It's all fucked up anyway. Let us dream. Let us be. Fuck it all. Estaria tudo de cima para baixo? De baixo para cima? Pelo avesso? Ao contrário? É muita falta do que fazer. E pensar que tudo isso está na ponta do nariz.

Was aber Schönheit sei, das weiß ich nit

Eu também não. Melencolia I. Porque diabos I? Não sei. Representação pictural de doutrinas neoplatônicas, segundo Kampff. O primeiro dos três estágios da melancolia segundo Agrippa. Não interessa. Melancolia é a palavra de quem escreve. A vida e a morte de quem traduz. Traduzo. Sou melancólico. Escrevo. Sou melancólico. Origem grega. Como todo o resto. Pra que isso aqui? Alguém vai ler? E se ler? Muda o quê? Nada. Permanece a melancolia, a impotência, o vazio do olhar da figura da gravura, o cão que dorme ao meu lado também, o firmamento negro e abissal lá fora. O vento frio que entra pela janela. Queria dizer niilismo, mas isso seria niilista demais. Melhor negar o niilismo, porque assim o afirmo. De que adianta o geométrico? A vida é um galho torto. Pra que a balança? Só se tem desmedidas desmedidas. Pra que o misticismo? Il n'y a plus rien.

Rien à voir, rien à penser, rien à dire.

On Nietzsche.

Ontem apareceu no gadget aí ao lado uma citação de Nietzsche que não queria comentar. Mas ela me atormentou. Não era novidade. Já tinha lido antes. Mas ficou martelando aqui. É a seguinte. Depois de alguma luta comigo mesmo e com a falha memória, consegui localizar o aforismo de Além do bem e do mal (na tradução do Paulo César de Souza):

146. Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um mostro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.

Queria saber como isso soa em alemão... Ah. A net. Por um momento me esqueci que ela tem (quase) tudo. Em meio ao mar de tralha e desperdício de espaço virtual, aqui está o Nietzsche na língua de Hitler (ou de Goethe, se preferir):

146. Wer mit Ungeheuern kämpft, mag zusehn, dass er nicht dabei zum
Ungeheuer wird. Und wenn du lange in einen Abgrund blickst, blickt der
Abgrund auch in dich hinein.


Abgrund. Abyss. Abîme. Abismo. Abisso. Não sei porque tenho essa necessidade de sentir a mesma palavra em várias Línguas. Mas vai . Estou digredindo novamente. De volta ao assunto.

Que abismo é esse? Tanta gente já deve ter feito essa pergunta idiota e eu to fazendo a mesma coisa. Porra. É o óbvio.

O abismo está na ponta do nariz. Mas a gente tem medo de olhar pra ponta do nariz. Ou pro umbigo. Tanto faz. É pq sabemos que o abismo tá ali. Se pudesse tiraria meu nariz fora para me livrar do abismo. Todavia ele deve continuar ali pra não me deixar esquecer. E se ouso olhar pra ele, ele oha de volta, e o que eu vejo é o reflexo do espelho.









domingo, 21 de setembro de 2008

Albrecht Dürer: Melencolia I, 1514.

Ainda preciso dizer alguma coisa?
Non ci credo.

Domingo. Domenica. Dimanche. De nada. Sunday. Sonntag. Sem sentido.

Domingo ( lat. dies dominìcus 'dia do Senhor, o domingo' ). Pas de soleil. Pas de pluie. Enfim: tá bom assim.

Dando continuidade ao propósito de mostrar que, não importando o que possa parecer, all our shit is fucked up, estou eu aqui, em pleno domingo, trabalhado e, em meio ao trabalho, aproveito a folga que dou a mim mesmo, com uma dor de cabeça filha da puta que voltou a fazer parte do meu dia-a-dia nos derniers jours, escrevendo. Escrever já virou verbo intransitivo, porque a vida é intransitiva. Talvez reflexiva. Pode ser que dê no mesmo. Mas a vida é sem objeto, nem direto, nem indireto, nem disfarçado, nem descarado. Ma che bello: non sai dire altra cosa. Sim. Não sei. Non ho bisogno. Voilà, c'est tout.

Mas eu ainda não terminei. Vou terminar isso daqui, terminar o que tenho de fazer, reler Macbeth, talvez algo de Harold Bloom ou Kermode sobre a peça para a aula de amanhã e, no fim das contas, chegar à mesma conclusão de antes: o homem é tão grande que se perde dentro do próprio umbigo, como o Thane escocês. E cego, para ecoar o filme de ontem. Ecco come stanno realmente le cose. Così. Lá se vão alguns séculos desde que Macbeth foi escrito e nada mudou. Nor shall it change. E às vezes tenho a impressão de que estou trilhando o mesmo caminho.

Pra terminar, falas da peça, de Macbeth, diante da notícia da morte de sua esposa, memoráveis, frutos que só a elizabethan age poderiam dar:

Out, out, brief candle!
Life's but a walking shadow, a poor player
That struts and frets his hour upon the stage
And then is heard no more: it is a tale
Told by an idiot, full of sound and fury,
Signifying nothing.

sábado, 20 de setembro de 2008

(In)Certeza Sobre a Cegueira

Hoje fui ver o "Ensaio sobre a cegueira". O ponto não está ali por acaso (queria colocá-lo em maiúscula pra que todo mundo prestasse atenção nele, mas um ponto é sempre insignificante e ignorado, poor fucking sonnuvabitch. Vai em vermelho que serve ao meu propósito idiota): é preciso de um ponto para parar e refletir depois do filme. Também preciso digredir. Não dá pra falar dele assim, sem mais nem menos.

Pois bem. Ao filme. Confesso que não li o livro. Deveria ter lido, lerei, mas não li ainda. Que tenho a dizer sobre ele? É estranho e sintomático que justamente no dia que tenha decidido começar o blog roubando a idéia de uma música do já morto Zevon, o filme mostre como all that fucking shit is really fucked up. É. Disse recentemente numa aula qualquer que, ao MEU ver, a literatura serve pra isso (se é que serve pra alguma coisa): mostrar pra nós mesmos, por menos que queiramos, ou possamos, ou aceitemos, ou nos neguemos a ver, que somos os únicos filhos da puta responsáveis por toda a merda que aí está. Quer dizer que não tem mais jeito? Vá saber. Acho que tem. Mas não importa o que eu acho. A história está aí pra provar o contrário. Ou provar que estou certo. Ou as duas coisas ao mesmo tempo, sei lá se é a mesma coisa. Que diz o filme? Que um cachorro consegue ser mais civilizado e humano que qualquer um de nós (nenhuma novidade até aí). Somos bestas arrogantes, caídas, perdidas em meio a um mar de sarcasmo, futilidades, aparências, posses, todos cegos diante da própria danação. E não pensem que sou pessimista. Não sou. Aí alguém diria, "Ah, vá se fuder! Até parece que não é..." Viu? Se tua reação foi essa, você é só mais um deles, como eu, como qualquer outro. Não é porque estou escrevendo aqui, do conforto do meu quarto e da minha cadeira acolchoada e com rodinhas que me acho acima de todo mundo porque eu digo que estão cegos. Também estou no mesmo barco. Todos estamos. Se não se está no barco, morre-se afogado, debatendo-se inutilmente à procura da ilha que não existe. Pronto. Viram? Digredi novamente e não falei porra nenhuma do filme. Mas não to nem aí. É isso. Acho que serve. Se te servir, desocupado leitor, pago-me da tarefa; se não te servir, pago-te com um piparote. E adeus. (Plagiando Machado descaradamente. Mas o que há a fazer?)

A propósito, o velho aqui em baixo, pra quem não conhece, é o dito cujo, Saramago.


Why the hell "My shit's fucked up"?

Explicando o título do blog: ontem estava assistindo o primeiro episódio da segunda temporada de Californication (baixado da net, antes da estréia da temporada) e me deparei com a música de Warren Zevon (que até então desconhecia), "My shit's fucked up", e não houve como não acontecer aquela rara identificação imediata com o compositor desconhecido. Taí. Precisava de algo. Encontrei. Levando adiante a idéia do blog - mostrar como a porra toda tá toda fudida mesmo - na tentavida de mesclar o tema de Californication, uma tentativa de pseudofilosofia pseudoexistencialista nitzscheanamente equivocada fadada à porra do fracasso, como qualquer outra merda que a gente tente fazer.

Et vive la philosophie du FODA-SE!!!

Pra quem não conhece a música, tá aqui o link do grande mestre Zevon - que a propósito já tá comendo capim pela raiz, já que como o próprio disse numa música, "Life'll kill ya" - "My shit's fuckedup".