sábado, 27 de setembro de 2008

Tropeço

“Então porque você mentiu?!”, perguntou, ainda tentando compreender o que acabara de ouvir. “Não sei”, foi a resposta, que denotava não a dúvida, mas a certeza de não haver feito nada de errado. “Não compreendo porque as coisas têm que ser assim, tão maniqueístas. Não se trata de mentir ou não mentir. Não entendo a situação dessa forma. Só fiz o que achei que deveria ter feito, e pronto”. As palavras pareciam agora escorregar por seus lábios, como se saíssem por vontade própria, mas trôpegas, por serem incapazes de expressar com a precisão necessária aquilo em que acreditava. “Eu é que não entendo. Você vem sempre com a mesma desculpa. Não sei porque ainda agüento isso”, respondeu. “Você não precisa agüentar, como diz, só gostaria que você procurasse compreender”. “Mas isso não é certo, não pode ser”. “E porque não? Porque te disseram o contrário? E quem foi que te ensinou isso? Seus pais? Seus professores? Você não pode afirmar que errei, que errei ao fazer a escolha que fiz, da mesma forma que também eu não posso ter certeza sobre o que fiz, ou sobre o porquê de o ter feito. Será que é tão difícil compreender isso?”. Ao contrário do que possa parecer, os nervos não estavam aflorados. A discussão era calma. O pior já passara. Percebia-se, no entanto, que ambas as vozes estavam trêmulas, como se quisessem impor a verdade um ao outro, aquela mesma verdade que vira o seu status ser colocado em xeque. “Foi a primeira vez?”, perguntou, esperando ansiosamente por uma resposta que julgava já conhecer ao mesmo tempo em que esperava ter se enganado. “Que diferença faz ter sido a primeira ou a décima?”. A apatia era facilmente sentida naquela resposta. “Como assim? Como pode não fazer diferença?”. “Não sei”.

[Outro texto moribundo. Jogo-o de volta à vida. Agonizante. 2006. Ano morto].

Nenhum comentário: