segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Avestruz (tradução minha. Texto de Jacques Prévert.)


Quando o Pequeno Polegar abandonado na floresta deixou seixos para reencontrar seu caminho, não tinha dúvidas de que uma avestruz o seguia e devorava os seixos um a um.

Esta é a verdadeira estória, foi assim que aconteceu...

O filho Polegar volta-se: sem seixos!

Está definitivamente perdido, sem seixos, sem casa; sem casa, sem papai-mamãe.

“É desolador”, diz, entre os dentes.

De repente, escuta risadas e depois o ruído de sinos e o ruído de uma torrente, de trompetes, uma verdadeira orquestra, um temporal de ruídos, uma música brutal, estranha mais não de todo desagradável e completamente nova para ele. Passa, então, a cabeça através da folhagem e a avestruz que dança, que o olha, pára de dançar e lhe diz:

A avestruz: “Sou eu quem faz esse ruído, sou feliz, tenho um estômago magnífico, posso comer não importa o quê. Nesta manhã, comi dois sinos com o seu batente, comi dois trompetes, três dúzias de oveiros, comi uma salada com sua saladeira, e os seixos brancos que você deixava, também eles, eu os comi. Suba nas minhas costas, vou bem rápido, viajaremos juntos.

Mas”, diz o filho Polegar, “meu pai e minha mãe, não os verei mais?”

A avestruz: “Se eles te abandonaram, é porque não querem mais te rever tão cedo”.

O Pequeno Polegar: “Certamente, há verdade no que dizes, senhora Avestruz”.

A avestruz: “Não me chame de senhora, isso me faz mal às asas, chame-me Avestruz simplesmente”.

O Pequeno Polegar: “Sim, Avestruz, mas assim mesmo, minha mãe, não é!”

A avestruz (em cólera): “Não é o quê? Você me irrita por fim e depois, quer que eu te diga, não gosto de tua mãe, por causa daquela mania que ela tem de sempre colocar plumas de avestruz em seu chapéu...”

O filho Polegar: “O fato é que isto custa caro... mas ela sempre gasta para deslumbrar os vizinhos”.

A avestruz: “Em vez de deslumbrar os vizinhos, seria melhor que ela se ocupasse de você, que te esbofeteasse às vezes”.

O filho Polegar: “Meu pai também me batia”.

A avestruz: “Ah, o senhor Polegar te batia, isso é inadmissível. Os filhos não batem nos pais, porque os pais batem nos filhos?”. Aliás, o senhor Polegar também não é tão mau; na primeira vez em que viu um ovo de avestruz, sabe o que ele disse?”.

O filho Polegar: “Não”.

A avestruz: “Que bom”, disse, “Isso dará uma bela omelete!”.

O filho Polegar (sonhador): “Eu me lembro, na primeira vez em que viu o mar, refletiu por alguns segundos e depois disse: ‘Que bacia grande, pena que não haja pontes’. Todos riram mas eu tinha vontade de chorar, então minha mãe me puxou pelas orelhas e disse: “Você não pode rir como os outros quando teu pai está de brincadeira!” Não foi minha culpa, mas não gosto das brincadeiras das pessoas grandes...”

A avestruz: “... eu também não; suba nas minhas costas, você não verá mais seus pais, mas verá o país”.

“Tudo bem”, disse o pequeno Polegar, e ele sobe.

Ao grande e triplo galope, o pássaro e o garoto partem e deixam uma grande nuvem de poeira.

Da soleira de suas casas, os camponeses abanam a cabeça e dizem: “Mais um desses automóveis baratos!”

Mas as camponesas escutam a avestruz que faz os sinos tocarem ao galopar:

“Vocês estão escutando os sinos, dizem umas às outras, é uma igreja que se salva, o diabo certamente logo atrás”.

E todos se amontoam até a manhã seguinte, mas na manhã seguinte a avestruz e o garoto estão longe.



[Texto traduzido em Outubro de 2007]

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