domingo, 30 de novembro de 2008

A ponte.

Foi assim que cheguei até a ponte. Chovia. Torrencialmente. E sob a ponte, correntes lodacentas. Águas rápidas, cuja visão trazia não medo, mas cautela. Durante as horas em que estive ali, sozinho, à beira da ponte, pensando em se deveria ou não atravessar, vi o nível das águas subir. Aos poucos, os pilares desapareciam, apesar de se manterem fortes. Pensava, contudo, que mesmo a força deles poderia ceder a qualquer instante e, junto, também ruiria a ponte. Por isso hesitava em atravessá-la. Era longa, e frágil. Embora imponente, não me inspirava confiança. Queria muito confiar, pois aquela era a minha única saída. Era preciso atravessar. Atrás de mim só havia ruínas. Ruínas deixadas para trás. Ficar era suicídio. Atravessar, contudo, também o poderia ser. Diante do impasse, esperava, e refletia, tão incessantemente quanto a chuva que não dava mostras de ceder. De qualquer forma, pensava comigo, valeria à pena atravessar a ponte? O que me esperaria do outro lado? Não estaria, também, o outro lado em ruínas, depois de tanta chuva? Não havia como voltar atrás, não sabia ao certo se deveria ir adiante. Neste momento, chega um velho, que me diz:

- Que esperas, jovem rapaz, aqui, deste lado da ponte?

- Não sei, meu senhor. Receio atravessá-la, pois não me sinto seguro com a força de seus pilares. Pode cair a qualquer momento. E mesmo que não caia, como poderemos saber se estaremos a salvo do outro lado?

O velho calou-se por um instante. Pensei que me deixaria para trás e atravessaria de uma vez a ponte. Só. Afinal, menos ainda a perder tinha ele. Mas não. Ele permaneceu ao meu lado. De pé. Com o seu guarda-chuva. Fitava, assim como eu, calado, o outro lado. Não quis dizer mais nada a ele. Esperava que me falasse comigo novamente. Não imaginava encontrar alguém onde eu estava, vindo de onde estivera. Vi-me, contanto, equivocado. Havia uma companhia, mas que estava em situação consideravelmente diversa da minha. Ele já vivera uma longa vida, e as marcas dos anos pesavam-lhe na fronte. Os olhos, embora firmes em fitarem o outro lado, estavam já opacos, vazios. O Tempo mostrava sua vitória no peso que fazia dobrar as rugas. Era de uma magreza gélida, esquálida. A pele, curtida, anunciava sob quantos sóis o velho trabalhara. Os cabelos, parcos e cinzas, desalinhados, colados à cabeça devido à chuva. A mão que segurava o guarda-chuva, óssea, dizia-se outrora forte, embora não mais. Trêmula, agora que sua caminhada chegava ao fim. Enquanto eu o observava, sem que ele deixasse de fitar o outro lado, disse-me, como se falasse consigo mesmo:

- A chuva levou-me tudo. O pouco que tinha. Em um instante, tudo desapareceu sob a água e a lama. Já não há mais nada que me mantenha aqui. Não tive filhos, e do casamento não ficaram que memórias traiçoeiras. Nada mais há que me seja.

Ouvi, e calei. Não havia o que dizer. Embora os anos nos afastassem, as experiências eram análogas. Não havia como consolá-lo, porque não havia consolo. A nossa saída era, simplesmente, esperar pelo certo, ou caminhar em direção ao desconhecido. Enquanto pensávamos, o nível das águas subia cada vez mais rápido. A crescente violência da correnteza fazia a ponte tremer. Os ruídos que vinham da sua estrutura que cedia aos poucos lembravam-me gritos de alguém desesperado, que se sente completamente desprotegido e abandonado. O velho, todavia, começou a caminhar, com passos pesados, lentos, de olhos baixos. Certamente decidira pela travessia. Eu permaneci, sentei-me, e escrevi.

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